quarta-feira, 17 de outubro de 2012

FOTOGRAFIAS DE UM COTIDIANO


                                              


                                            

     Estávamos ali parado, naquele sinaleiro, naquele cruzamento.
     No som do carro uma musica até que engraçada, no para-brisas algumas gotas d’aguas decorrentes daquelas não muitas nuvens. Primeira marcha engatada, olhar no retrovisor que quase religiosamente se repete,  vidros fechados, conversas amistosas, assuntos que seriam corriqueiros em outras circunstancias, mas não eram, e o transito parado no sentido que seguíamos,  e no sentido que cruzava passa outros veículos que por mais do que certo eram conduzidos por pessoas que também tinha motivos universalmente distintos para estarem ali, naquele momento, compondo aquele cenário peculiar e cotidiano.
    O sinaleiro abre pra nós, o pé sai proporcionalmente da embreagem, o do acelerador por sua vez é acionado; marcha que sobe, seta que é acionada indicando previamente a direção que convergiremos. Agora estamos numa outra avenida não menos movimentada,  pessoas no ponto de ônibus, pessoas que sobem rua acima, pessoas que descem rua abaixo,  e mais uma marcha é engatada, velocidade que aumenta, e a paisagem muito urbana e muito cotidiana compunha as bordas daquele deslocar quase que poético, como quase poético é esse texto.  Como não diferente paramos noutro sinaleiro, outra vez primeira marcha, outra vez pingos d’agua, mas muito pouco a ponto de não ser necessário o acionar do limpador de para-brisas, ao olhar por entre os prédios vejo o brilho do sol declinando no fim da tarde, bem enfraquecido, devido as nuvens não tão espeças, também não tão densas, pois ali ainda tinha raios de sol, cortando-as e por entre aqueles prédios embelezava mais ainda a percepção dos transeuntes, dos quais fazíamos parte. Logo sinal abre, marcha que sobe, velocidade sendo aumentada gradualmente, conversas ao som do rádio, ar-condicionado numa temperatura amena, a ponto de se  sentir um friozinho quase que incômodo mas era na verdade um fator importante naquele contexto, quase que cotidiano.
         Era já quase fim do dia como é sabido, e pra não fugir à regra, um outro sinaleiro aponta que vai fechar em poucos segundos pois a luzinha amarela foi acesa, e como ela é sinal de desacelerar(embora isso seja culturalmente  ignorado pela condutores de veículos automotor) eu fiz uso do pedal do meio,  olho no velocímetro, ele marca 60km/h, agora 40km/h, 20km/h, e assim vai até ficar inerte, novamente primeira marcha, olhar no retrovisor, pingos d’agua no para-brisas, motocicletas ‘’costurando’’ por entre os retrovisores, musica no rádio, ar, conversa... Nesta hora já tínhamos passado por um  viaduto que eleva-se sobre uma outra importante avenida da nossa cidade, que inclusive este mesmo serviu para o surgimento de um outro assunto, um momento vivido em um  tempo não tão distante, foi arremetido a memória àquela circunstância um tanto cômica. Sinaleiro que abre, embreagem que folga, acelerador em uso, tudo isso parece coisas de um cotidiano, mas não é.
  Logo afrente um silencio impera por alguns instantes, um silencio de boca é claro, pois o rádio está lá todo tagarela, e mesmo os vidros fechados era possível ouvir também  um outro barulho, barulho este vindo dos escapamentos mil, que também se deslocavam por essa avenida tão necessária, e tão testemunhas de histórias como esta e outras mais ainda dignas de texto.  Agora eu falo; “estou escrevendo um texto”, é mesmo? Vem a voz numa quase automática pergunta, sim, respondo eu, sobre o que é o texto?  Sou novamente inquirido, é sobre o cotidiano, ah é!? Vem uma exclamação embrenhada em uma interrogação; sim,  depois você olha lá no Blog então  veras ao certo sobre o que é, Ah ta, agora como uma conformidade prontamente contradita pelo olhar interessado que me esquadrinhava. Lembrando me de um afazer, mencionei o mesmo, e logo fui atendido com um ‘’então vá’’,  novamente a seta, o piscar no painel, o barulhinho típico, um ônibus parado ao lado, um pingo d’agua no para-brisas, um olhar no retrovisor.  Acelero agora com um pouco mais de intensidade pra ganhar distancia em relação ao ônibus que se aparelhava na pista da direita, e assim foi feito, conversão à direta, sol à frente, prédios em volta, praça  sendo parcialmente contornada, outro silêncio, novamente outro sinaleiro, como certo velocidade que diminui, marcha voltando, radio ligado, e assim fomos. Logo retornando na direção da minha casa as conversas se tornaram menos frequentes, o cenário não tão uniforme nos seguia, uma rotatória logo a frente, carro que converge sem o uso da seta, aceleração mais intensa pra conseguir passar antes do carro que emergia na preferencial,  e assim fomos rumo ao meu endereço e cada minuto nos aproximava do silêncio e da minha residencia. O assunto agora abordado foi o “ápice da inutilidade”, prontamente concordado por ambas as partes, outra rotatória,  agora apenas duas quadras nos separam do meu ponto de descer,aceleração intensa, avenida cruzada, seta a direita, mais uma quadra, mais um silencio, a minha quadra, freios acionados, marcha reduzida, seta, carro que para, silencio, porta aberta, uma despedida, poucas palavras, saio do carro, digo a célebre frase, “vai com Deus, juízo”.  Agora muda o condutor do veiculo, já não tem raios de sol, tem chuva um pouco mais intensa, tem silencio, tem pensamentos, e não sei se tem mais alguma coisa.
Tudo isso é rascunho do que seria um cotidiano, mas, é apenas fotografias do mesmo. Pois em outra galaxia muito distante isso se repetiria, pois tratava-se de um cotidiano, mas na realidade não O é. E é tão incerto e improvável que se repita que não vejo ele se repetir.
     Estou eu aqui com minha xícara de porcelana meada em café, já é a segunda que tomo ao escrever esse texto e assim se finda um rascunho de um cotidiano, uma fotografia abstrata.

         


                                            Por: Samuel Gonçalves